Todos ouviram a história. Uma noite de primavera no Atlântico Norte. O maior navio jamais construído cortando as águas geladas em sua viagem inaugural desde Southampton, na Inglaterra, rumo a Cidade de Nova Iorque. Um vigia gritando “Iceberg em frente!”. E finalmente, mais de 1500 pessoas perdidas quando o Titanic, com botes salva-vidas insuficientes, afundou no oceano.
Talvez não tenham ouvido falar do possível papel significativo dum incêndio no naufrágio, que ocorreu nas primeiras horas do dia 15 de abril 1912, depois da colisão do navio com um iceberg a 400 milhas da costa de Newfoundland. O jornalista irlandês Senan Molony, que passou 30 anos pesquisando o naufrágio do Titanic, acredita que um incêndio não só enfraqueceu o casco do navio, permitindo a entrada mais rápida das águas depois da colisão com o iceberg, mas também obrigou o navio a sulcar as águas geladas a uma velocidade perigosa.
A teoria de Molony é o tema dum novo documentário, “Titanic, New Evidence,” que foi apresentado faz pouco tempo na televisão britânica e americana. “É uma tormenta perfeita de fatores extraordinários que se juntam: fogo, gelo e negligência criminal,” argumenta Molony no filme.
De acordo com Malony, um incêndio ocorreu nas profundidades do navio quando o Titanic deixou Belfast, na Irlanda, onde foi construído, no dia 2 de abril de 1912. O fogo começou num deposito de carvão com uma altura de três andares, localizado perto da sala de caldeiras do navio e continuou a arder enquanto o navio parava na Inglaterra, na França e novamente na Irlanda antes de partir para Nova Iorque.
Molony começou a investigar o incêndio faz alguns anos, depois de um colega ter adquirido uma coleção de fotos inéditas do Titanic, tomadas pelo engenheiro chefe de eletricidade do navio. As imagens, que tinham ficado num sótão durante um século, revelam uma marca preta em diagonal de aproximadamente 30 pés no lado direito inferior do casco exterior. “Esta é a área exata do impacto com o iceberg,” diz Molony no filme, mostrando a marca, “e parece haver uma fraqueza ou danos ao casco nesse lugar especifico.” A marca, ele diz, começa na mesma área onde começou o incêndio no interior do navio.
Além disso, Molony diz que artigos de imprensa publicados depois do naufrágio, assim como outros documentos históricos, sugerem que o fogo se propagou a vários contêineres de carvão, obrigando os foguistas a deitar os carvões ardentes nas fornalhas do navio quando corria para um campo de gelo. Molony pretende que este é um dos motivos que explica porque o navio não abrandou a velocidade mesmo depois de ter sido avisado que havia icebergs no caminho. A outra razão, ele diz, é que uma greve dos mineiros tinha deixado o navio com uma reserva de carvão apenas suficiente para chegar até a America e por isso não poderia permitir-se de abrandar a velocidade, especialmente quando as chamas estavam consumindo o combustível.
Para as pessoas que estão familiarizadas com a história do Titanic, o incêndio nas suas entranhas não é novidade; o incêndio foi documentado por uma série de fontes. Os livros sobre incêndios de carvão, por exemplo, citam John Dilley, um foguista do navio que sobreviveu ao naufrágio, dizendo ao Senado dos Estados Unidos em 1912 que “desde o dia que partimos, havia um incêndio no Titanic e minha única tarefa, junto com mais 11 homens, era combater esse incêndio. Não tínhamos feito nenhum progresso nesse sentido.”
Até agora, o significado do incêndio foi subestimado, diz Molony, que afirma que os próprios proprietários do navio encobriram o incêndio e que o presidente Lord Mersey evitou o tópico na investigação do Titanic em Londres.
Nem todos compram a teoria de Molony. David Hill, ex-secretario honorário da British Titanic Society, disse ao Boston Globe que ele não acredita que o destino do navio teria sido diferente na ausência dum incêndio. “Um incêndio poderia ter acelerado [o naufrágio] ele disse. Mas em minha opinião, o Titanic teria naufragado de qualquer maneira.
Outros especialistas dão mais peso às afirmações de Molony. Richard de Kerbrech, um engenheiro marítimo da Ilha de Wight que escreveu livros sobre o Titanic, disse ao The Globe que acredita que o incêndio possa ter danificado o aço do casco o suficiente para torná-lo mais vulnerável a uma perfuração. “Essa descoberta é uma revelação e poderia mudar nosso conhecimento da história dos acontecimentos,” ele disse.