Em seu trabalho como pessoa de contacto do NFPA 72®, Código Nacional de Alarme de Incêndio e Sinalização, Richard Roux passa a maior parte do tempo tentando dissuadir as pessoas de desativar seus alarmes de fumaça. Mas ele entende o impulso.
Mesmo Roux tem seus momentos de tentação, sobretudo quando usa o fogão na pequena cozinha do trailer familiar. “O alarme de fumaça se ativa sempre,” ele diz, culpando a falta de espaço que impede colocar o dispositivo a mais de 20 pés do fogão, como o recomenda o NFPA 72 para as casas.
Para as pessoas que vivem essa frustração, ou seja, praticamente todas, pode haver boas notícias. Graças aos grandes avanços da pesquisa e tecnologia, chegamos a um ponto onde a próxima geração de alarmes de fumaça será capaz de distinguir entre a fumaça produzida pelas operações normais de cozinha e a fumaça produzida por um incêndio sério. De fato, os alarmes serão programados em breve para detectar esse tipo de diferença.
A partir de 2020 o UL, uma das principais entidades que elaboram normas de segurança para bens de consumo, não certificará alarmes de fumaça que não passem uma série de testes concebidos para provar que são resistentes à cozinha e outras fontes de falsos alarmes. Em outras palavras, os novos alarmes de fumaça que cheguem ao mercado a partir de 2020 já não deveriam tocar porque alguém esqueceu os pãezinhos do jantar no forno. Pode ser a mudança mais significativa das 250 mudanças técnicas que o UL fez nas edições mais recentes das normas que usa para certificar e registrar os dispositivos de detecção de fumaça.
“Este é um divisor de águas para a segurança humana”, disse Barb Guthrie, oficial de segurança pública do UL. “Agora podemos colocar nas casas das pessoas um dispositivo inteligente, capaz de reconhecer todas as condições atmosféricas em volta do alarme de fumaça e tocar mais rápido, com um grau de precisão que nunca tivemos antes.”
Não se trata apenas de resolver um incômodo de longa data – isso tem também consequências importantes para a proteção da vida. Embora poucos passos em falso no mundo da segurança contra incêndio e proteção da vida sejam tão vilipendiados como mexer no alarme de fumaça, muitas pessoas continuam a fazê-lo, às vezes com consequências trágicas. As estatísticas da NFPA mostram que a maioria das 2700 pessoas que morrem, a cada ano, em incêndios residenciais nos Estados Unidos, vive em casas sem alarmes de fumaça ou com alarmes de fumaça que não funcionam. De acordo com estudos, muitos dos alarmes não funcionaram porque tinham sido desativados por residentes incomodados pelo ruído e nunca mais foram postos a funcionar.
Os falsos alarmes afetam também os bombeiros. Em 2014, os corpos de bombeiros dos Estados Unidos responderam a quase 2,5 milhões de falsos alarmes, aproximadamente o dobro do número total de incêndios registrados e cinco vezes o número de incêndios estruturais, de acordo com uma análise da NFPA. A maior parte foi ativada por conexões comerciais monitoradas, incluindo edifícios residenciais, como prédios de apartamentos, hotéis e dormitórios.
O mercado responde
Durante décadas, a questão do que fazer com o problema desconcertou os promotores da segurança, cuja única esperança parecia ser convencer as pessoas a não mexerem nos alarmes. A solução mais permanente – fazer alarmes melhores e mais perspicazes – foi tecnologicamente impossível por muito tempo. Construir um alarme que toque apenas durante um incêndio real e não por um pedaço de torrada queimada é um conceito simples, mas tremendamente complexo de por em prática.
Os alarmes de fumaça, desde que existem, sempre foram dispositivos sim ou não: eles detectam fumaça suficiente para ativar o alarme ou não. Isso é verdade para alarmes que usam detecção fotoelétrica ou por ionização, as duas tecnologias que prevalecem no mercado hoje. Para diminuir os falsos alarmes, a nova geração de alarmes de fumaça deverá determinar qual é o tipo de fumaça que está detectando. Não só devem ter a capacidade de medir com precisão a composição das partículas de fumaça para decifrar o que está queimando, como também devem decidir se essa coisa é uma ameaça ou não.
Isso representa uma mudança radical para a indústria, de acordo com Roux. “Não acredito que tenhamos hoje no mercado um alarme que faça isso,” ele me disse em fevereiro.
Isso pode já não ser verdade. Dias depois de ter falado com Roux, Guthrie me disse que o UL estava testando o primeiro lote de novos detectores que atendem a nova norma e espera que cheguem ao mercado durante a primavera. Isso não significa, contudo, que os residentes, inspetores ou funcionários que trabalham com os códigos precisem tomar alguma medida para substituir alarmes de fumaça mais velhos que ainda funcionam, ressaltou Guthrie. Esses alarmes ainda funcionam bem e não precisam ser substituídos – isso acontecerá ao longo do tempo pelo desgaste, ele disse.
Neste momento o UL está realizando os testes dos alarmes de nova geração no novo laboratório que abriu em fevereiro, em seu campus ao norte de Chicago. As instalações são dedicadas à pesquisa sobre alarmes de fumaça e ao teste de suas capacidades, de acordo com as normas revistas do UL. Dentro do laboratório se encontra uma sala de testes de 75 metros quadrados, que foi selada a prova de ar com a ajuda duma porta de submarino, para manter condições atmosféricas tão estéreis como possível, garantindo medições controladas, coerentes e replicáveis. Numa sala acima do local de testes, os técnicos de laboratório colocam os alarmes em tetos falsos móveis que baixam até alturas exatas sobre as substâncias de teste fumegantes.
Até agora, os testes dos novos produtos foram promissores. Numa demonstração dos alarmes da nova geração transmitida recentemente por televisão, os técnicos do UL colocaram uma assadeira com hambúrgueres na grelha; dentro de 10 minutos, os alarmes tradicionais tocaram, enquanto os novos modelos ficaram silenciosos mesmo quando os níveis de fumaça aumentavam. Enquanto os hambúrgueres continuavam a queimar, na mesma sala os técnicos do UL puseram fogo a uma pequena chapa de espuma de poliuretano, uma substância que queima rapidamente, usada para forrar grande parte da mobília moderna em todo o mundo. Em menos de três minutos os novos alarmes tocaram enquanto a espuma queimava, assinalando uma nova ameaça importante.
Essa reação rápida às espumas de poliuretano sintéticas foi outro acréscimo importante às novas normas de detecção de fumaça do UL. Os testes adicionais ajudam a garantir que os alarmes toquem dentro dos três minutos desde o início dum incêndio, dando aos residentes um tempo essencial para escapar, disse Guthrie. Estudos mostraram que a construção moderna e a mobília sintética produzem incêndios que podem queimar muito mais rapidamente que no passado, reduzindo o tempo de evacuação de uma média de 17 minutos a menos de quatro, de acordo com o UL. Os educadores públicos da NFPA avisam que, nos incêndios residenciais modernos, os residentes poderiam ter menos de dois minutos para sair de forma segura depois do aviso do alarme de fumaça.
A conexão do NFPA 72
Apesar de – ou talvez graças a – essas mudanças que atravessam a indústria, os fabricantes e os profissionais da indústria praticamente não falam de seus novos produtos, da tecnologia envolvida e do impacto que os novos critérios de certificação poderiam ter sobre a indústria ou os custos suportados pelos consumidores. Um representante dum dos maiores fabricantes de detectores, quando foi contatado, se recusou a comentar ou até a dizer quando os novos alarmes poderiam chegar ao mercado, alegando questões de “confidencialidade” e de “patentes”.
O que fica claro é que se está trabalhando muito para preparar as coisas para o prazo de cumprimento da nova norma do UL em 2020. Desde a abertura de seu novo laboratório de testes sobre detecção, a demanda dos fabricantes tem sido forte, de acordo com o UL, que introduziu turnos extras para responder às necessidades das empresas, que querem testar seus dispositivos quanto às novas exigências.
“Já existem dispositivos que passarão nos testes? Bem, para isso devem ser testados,” disse Guthrie, quando lhe perguntei sobre resultados preliminares. “Na maioria dos casos poderia haver alguns ajustes, como é obvio, porque o aspecto dos alarmes falsos [dos testes] é extremamente novo.”
Mesmo assim, os fabricantes têm se preparado há algum tempo. Enquanto o UL publicou discretamente as novas normas sobre os produtos em outubro 2015, os fabricantes, entidades que elaboram os códigos e profissionais da indústria anteciparam e às vezes deram um impulso às normas anos antes disso. A tecnologia, a pesquisa, o desenvolvimento e a elaboração dos códigos avançaram lado a lado (leia “Assine aqui”, abaixo). O NFPA 72 incluiu, pela primeira vez, conteúdo que fazia referência aos alarmes de fumaça “certificados para resistência às fontes comuns de falsos alarmes provenientes da cozinha” na edição 2013, embora nessa época ainda não existisse esse tipo de certificação. A seção afirmava que os alarmes de fumaça certificados para resistência à cozinha poderiam ser colocados tão perto como a 1,8 m dum dispositivo fixo de cozinha, mas os alarmes comuns de cozinha ainda deveriam estar localizados no mínimo a 6 m dum fogão, para reduzir a possibilidade de falsos alarmes provenientes da cozinha, de acordo com o código.
O texto fazendo referência aos dispositivos resistentes aos alarmes falsos foi acrescentado depois de várias contribuições públicas de partes interessadas, apresentadas aparentemente com o objetivo de impulsionar normas de testes mais sofisticadas.
Thomas Hammerberg, então presidente da Automatic Fire Alarm Association, numa contribuição pública ao comitê técnico do NFPA 72, escreveu que, embora o comitê “tivesse feito um excelente trabalho usando a pesquisa para produzir exigências sobre localização/colocação/espaçamento dos detectores de fumaça capazes de fato de reduzir os falsos alarmes, as regras do NFPA 72 para alarmes de fumaça residenciais não foram adotadas por todas as jurisdições e, mesmo quando adotadas, não são efetivamente aplicadas. Os problemas de falsos alarmes podem ser tratados de forma abrangente implementando padrões de testes mais rigorosos.”
Hammerberg, que já deixou a direção da Associação, se recusou a fazer comentários sobre as novas normas do UL.
Exceto no que diz respeito à premonição do comitê do NFPA 72 em 2013, as mudanças do UL sobre testes e certificação não deveriam ter qualquer impacto sobre o próprio NFPA 72, disse Roux.
“No que diz respeito ao código, a única questão que nos preocupa é se o alarme foi certificado ou não,” disse Roux. “Qualquer que seja o alarme de fumaça, ou a forma de fazê-lo, desde que passe os testes do UL e seja certificado, você pode usá-lo, de acordo com o NFPA 72.”
Em termos do impacto real na indústria e na segurança do consumidor, contudo, é difícil exagerar o significado da mudança das certificações introduzidas pelo UL, disse Roux. Por exemplo, ele em breve poderá cozinhar um hambúrguer em seu trailer sem ter medo do alarme.
“O resultado será uma imunidade muito maior em relação à cozinha, resultando num menor número de falsos alarmes,” ele disse. “Essa é uma situação de ganho mútuo para o consumidor e para a segurança.”
Assine aquiUm manual sobre o desenvolvimento da tecnologia da assinatura da fumaça – a base dos alarmes de fumaça de nova geração.
Desenvolver o conhecimento e a tecnologia subjacentes necessários para que um alarme de fumaça faça a diferença entre a combustão da mobília e a combustão dum hambúrguer foi um processo longo modelado pela indústria, o UL, a NFPA e outros. “Para que isso funcione, você deve entender todos os princípios subjacentes relativos à fumaça antes de poder desenvolver os testes para criar o equipamento”, disse Barry Chase, engenheiro da NFPA que trabalha com a detecção de fumaça. “Como sei com que se parece a fumaça? Como sei que tipos de fumaça ignorar e que tipos não? Foi preciso muita pesquisa para responder a tudo isso.” O primeiro passo foi aprender como são os produtos da combustão, ou a fumaça, para diferentes tipos de substâncias. A fumaça não é apenas ar sujo e não é uniforme; é um redemoinho de gases e partículas de diferentes tamanhos, densidades, composições, concentrações, compostos e até cores, dependendo de quais substâncias estejam queimando. A fumaça produzida por um hambúrguer tem um conjunto de características diferente, por exemplo, da fumaça que provém dum edredom queimando. Os pesquisadores já entendiam isso, mas até 10 anos atrás não tinha havido nenhuma análise que permitisse descobrir quais eram essas diferenças. Em 2007, o UL se associou à Fundação de Pesquisa Para a Proteção Contra Incêndio para realizar um estudo de caracterização da fumaça que esclarecesse essas questões. Contando com nova tecnologia para a caracterização das partículas de fumaça e efluente gasoso, os pesquisadores documentaram pela primeira vez as características da fumaça para uma série de materiais e produtos modernos usados nas casas. Até 2010, entre o estudo da FPRF e um estudo ulterior do UL, os pesquisadores tinham caracterizado 60 assinaturas de fumaça produzida na combustão de vários objetos domésticos. “Esses projetos foram um daqueles momentos reveladores e catalisadores do mundo cientifico”, disse Guthrie. “Enquanto não sabemos o que deve detectar, não podemos ser mais sofisticados na detecção. Depois, é como uma engenharia reversa – agora que sabemos o que é a fumaça, como fazemos para garantir que os alarmes reajam ou não?” Com base na nova compreensão das assinaturas da fumaça, os avanços na tecnologia informática e nos algoritmos do big data permitem que os alarmes leiam rapidamente que tipo de fumaça estão vendo e façam cálculos rápidos para determinar se apresenta ou não uma ameaça. Entretanto, o UL trabalhou para criar e validar as normas complexas de testes necessárias para garantir que a próxima geração de alarmes de fumaça tenha o desempenho prometido. _J.R. |